No domingo dia 04/08, dia de Lua Nova, saiu no jornal Valor Econômico uma matéria sobre Astrologia que tem algumas falas minhas e de colegas. Ficou muito boa. Confira-a clicando aqui.
A seguir, com a anuência da autora da matéria, publico as respostas às perguntas que a jornalista me fez. Gostei muito de tê-las respondido. Boa leitura!
Entrevista – Valor Econômico, Amalia Safatle
Entrevistado: João Acuio www.saturnalia.com.br
11/05/2024
1. Podemos dizer que há uma banalização da Astrologia, que desvirtua seus preceitos mais clássicos?
Sim, a começar pelos horóscopos de jornal. Sabe aquele formato de um pequeno texto para cada signo para entreter as massas? Este formato criado por algum editor de jornal e acampados por astrólogos, é uma verdadeira praga. Além de ser uma besteira sem tamanho, sem fundamento astrológico, sufocou na grande mídia qualquer outra iniciativa minimamente razoável. Este formato de horóscopo para 12 signos tem mais de 100 anos e agora tomou as redes sociais.
2. Se sim, essa banalização pode ser creditada à revolução digital, que permite a qualquer pessoa pouco formada atuar com o tema, por exemplo, em redes sociais, influencers etc., em busca de clicks?
Não, não credito à revolução digital, e sim ao mau-caratismo, má fé ou ignorância mesmo. Como uma colega diz, não é porque você fala sobre signo que você faz astrologia. 99% do que se publica de astrologia nas redes sociais é entretenimento, não astrologia. Como as pessoas sabem que ao falar dos signos suscitará curiosidade, gerando likes e compartilhamentos, criam notícias que mais parecem campanhas publicitárias relacionando signos e sexo, signos e música, signos e livros etc. Recentemente, eram as revistas de domingo de grande circulação, geralmente com capas sensacionalistas, que preparavam uma edição anual com falsas polêmicas astrológicas para alavancar vendas, agora isso acontece nas redes sociais, essa lápide do jornalismo profissional. Mas a culpa não é das plataformas, mas sim de quem as utiliza. Talvez o que tenha mudado com as redes socias é a escala, o tamanho do estrago. A praga atual do mundo é essa coisa de todos se acharem especialistas em tudo e falarem de assuntos que não dominam. A banalização é essa.
3.A Astrologia já era questionada antes mesmo dessa banalização, correto? Por quê?
A prática astrológica foi questionada na origem. Filósofos, teólogos e cientistas questionaram a prática astrológica em diferentes épocas da história do mundo. Isso não é de hoje. Procurem pelo autor Sexto Empírico. Antes as razões contrárias eram de ordem filosóficas, hoje há quem confunda astrologia com discursos terraplanistas, negacionistas e fascistas. Sem falar da falsa polêmica envolvendo astrologia e astronomia moderna. Quem não sabe que partem de premissas absolutamente diversas, sem falar que nem se destinam a mesma coisa? A astronomia estuda o céu físico, a astrologia é um idioma oracular.
4.Como se pode resgatar a respeitabilidade e o que tem sido feito nesse sentido?
Bom, para isso, primeiro, os próprios astrólogos precisam se respeitar. Ajudaria não tentarem compreender a astrologia com premissas da ciência newtoniana ou transformar sua linguagem oracular num arremedo da psicologia junguiana. Astrologia tem suas próprias premissas, jargão e objeto de estudo. Discernir estes três pontos ajudaria muito. E, em segundo lugar, a astrologia precisa voltar às cidades, evitando guetos falsamente místicos e, assim, contribuir para leitura dos fenômenos sociais, culturais e políticos. sem adotar um discurso apaziguador das tensões sociais. Tornar-se um discurso apaziguador, assemelhando-se a práticas de autoajuda, para venda de cosméticos a geladeira, e projetos políticos, é um desserviço e, pior, é rebaixar a astrologia à insignificância e indignidade. Em terceiro lugar, quem consome literatura astrológica, seria bom um letramento mínimo no assunto, porque assim descobrirão que consomem discursos motivadores e não o hermetismo que a caracteriza. Então, em suma, a astrologia ser mal compreendida, e não percebida em sua potência, é da responsabilidade dos próprios astrólogos, de quem a utiliza para vender quinquilharias e do próprio público, que gosta de ser enganado e precisa se esforçar.
5. No seu entendimento, o que é a Astrologia? Um campo do conhecimento? Um simbolismo?
Uma cultura, uma cosmovisão, um sistema oracular e, por fim, um modo de encantar o céu e adiar sua queda, como diria Krenak.
6. Quais as principais correntes da Astrologia hoje?
Astrologia tradicional é a vertente mais promissora e fecunda, porque é a vertente que vem resgatando textos antigos e relendo-os. A não-apropriação das raízes astrológicas acarretam em práticas que precisam se apoiar em outras tradições para poder ficar em pé. Mas acontece que sem o conhecimento da tradição, nada fica em pé em se tratando da poética do tempo. Então é preciso fazer a lição de casa, conhecer aqueles que nos trouxeram aqui.
7. Ela funciona para quê? Autoconhecimento? Tomada de decisões?
A astrologia é um sistema oracular. Procuramos oráculos para saber o que o mundo quer com a gente e o que podemos fazer. O que as pessoas não sabem é que oráculo é um código aberto onde requer a participação de quem o procura. Não é totalmente aberto, longe disso, mas há brechas onde a pessoa participa da escrita da própria história. Então, astrologia é um sistema oracular, seus mapas são tabuleiros e ali se investiga a natureza dos momentos e seus encaminhamentos.
8. Como explicar a correlação entre os astros e o que acontece na Terra?
Astrologia se baseia na analogia, este modo de pensamento que vigorou até o século XVII, mas que ainda circula nas práticas mágicas, herbárias e oraculares. A analogia é uma operação linguística e, por isso que quando dizemos “assim no céu como na terra”, estamos equivalendo o passo dos planetas com atores correspondentes na terra, estamos estabelecendo uma analogia. É simples assim. Chega a ser assustador como essa operação linguística funciona, caracterizando naturezas com precisão e indicando tempo de acontecimentos. Astrologia é um idioma, tem regras próprias e para ser eloquente neste idioma, é preciso entender suas premissas. A analogia é uma dessas premissas.
9. Você identifica um crescimento do interesse das pessoas pelo tema recentemente - seja para estudar, seja para se consultar ? Isso se alterou no momento da pandemia ou no pós-pandemia? Há algum número ou estudo que traga essas medidas?
Não. Tanto no meu trabalho particular de leitura de mapas, quanto aqui na escola, no curso de Formação em Astrologia, a procura sempre foi grande e constante. A astrologia é popular. Na pandemia, o que aconteceu é que as pessoas entenderam que era possível fazer um curso com qualidade via chamada de vídeo, e ter uma consulta ao próprio mapa com a mesma qualidade do que no modo presencial. É claro que em alguns momentos a astrologia se torna mais popular, isso porque ela tem potencial de venda de produtos, audiovisual, livros, etc. Mas eu trabalho com astrologia há 32 anos e te garanto que estes espasmos de popularidade são recorrentes.
Entrevista estupenda! :) Apontamentos necessários, tendo em vista a disparidade de opiniões que circundam a Astrologia. Gostei demais, João, quando você toca no "calcanhar de Aquiles" da engrenagem contemporânea, em que "muitos achistas" se consideram especialistas, ao passo que os especialistas, de fato, acabam por ter a voz apagada diante do barulho dos "new coachistas". Por fim, o estudioso, que leva uma vida estudando e tem consciência de que muito estudo ainda é pouco, deveria ser mais escutado. Uma louvação ao "Valor Econômico" que convidou um especialista para falar, o nosso mestre Amado João Acuio, que, por sua vez, maravilhosamente falou! 🤓