A primeira vez que respiramos o ar do lado de fora do útero é um fenômeno tão importante que marca nossa trajetória por toda a vida. A Astrologia das Natividades, a mais popular das artes astrológicas, se propõe a analisar a narrativa de cada um usando como base o momento de seu nascimento, o famoso mapa natal. Apesar de ser muito importante, o momento do nascimento não é o único fenômeno considerado pela astrologia, todos os acontecimentos, encontros e despedidas tem sua própria configuração celeste.
A primeira respiração é profundamente importante para entender o ciclo da vida do nativo, mas é apenas a primeira. Todo acontecimento terrestre tem seu espelho celeste: nossos primeiros passos, primeiras palavras, o primeiro amor, a primeira desilusão. Para os antigos a ida ao Oráculo era um momento de grande importância e com certeza também um fenômeno celeste.
O Oráculo é um fenômeno e todo o fenômeno pode ser lido através da linguagem astrológica. A Horária é a Astrologia na sua forma oracular mais simples e direta. O que nos interessa aqui não é o nascimento do nativo, mas o nascimento da pergunta.
A Astrologia Horária é a Astrologia Oráculo porque aproxima o fazer astrológico do seu caráter mais divinatório assim como fazemos com o tarot, o I-ching ou os búzios. A Arte oracular pode ser executada com diversas ferramentas e a posição dos astros no céu é uma delas. Não faz diferença, nesse caso, a configuração de nascimento, mas sim aquela que o astrólogo encontra quando aceita responder uma pergunta.
Era assim que trabalhava William Lilly, astrólogo inglês do século XVII. Nessa época, a elaboração de Mapa Natal era coisa restrita a poucos nobres ou ricos, os únicos que tinham a chance de saber exatamente a hora de seu nascimento. Além disso, a maior parte das pessoas não buscava um astrólogo com o objetivo de autoconhecimento como vemos hoje, mas sim para obter respostas precisas para perguntas específicas. Para esse fim, a técnica da Astrologia Horária é infinitamente mais eficaz que a Astrologia Natal.
Para Lilly e os da sua época, a Astrologia Horária era uma prática cotidiana. Essa técnica permitia aos astrólogos descobrir a localização de uma pessoa desaparecida, dizer se um casamento aconteceria, se a colheita seria farta ou quem venceria um duelo. Com o tempo, a prática astrológica acabou se afastando do seu passado oracular nu e cru e a Astrologia Horária foi quase esquecida.
“O que está em cima é como o que está embaixo” não vale apenas para o momento do nascimento, vale para todo instante, para as questões mais banais ou mais profundas. Marte em um mapa pode representar tanto a queda de um império quanto a picada de uma abelha, o infinitamente grande e o infinitamente pequeno compartilham da mesma linguagem e as mesmas ferramentas de tradução.
Como funciona a Horária?
A horária é o mapa aberto para o momento exato que decidimos fazer uma pergunta. O fenômeno aqui é o surgimento da questão e a possibilidade de buscar o céu do momento para respondê-la.
Nós estamos representados no mapa da Horária da mesma forma que estamos representados no mapa natal, porém, na Horária falamos do presente de curto prazo. Se estou angustiada no momento da pergunta, posso ser representada por um Marte em Câncer na casa 8, se estou focada no trabalho e dando o melhor de mim, posso ser um Saturno em Capricórnio na casa 10. Cada pergunta envolve um novo cenário e consequentemente um novo mapa e novos significadores.
Aquele que pergunta é sempre o que ascende no momento da questão: o ascendente e seu regente. Todos os outros significadores serão dados pelos regentes das casas ou pelos planetas como significadores naturais. Se a pergunta é sobre o emprego olharemos para o regente da casa 10, se é sobre amor, para o regente da 7. Os aspectos revelam um evento enquanto as recepções dizem qual a situação e os desejos envolvidos na questão. Se eu quero que algo aconteça, preciso de aspecto entre o meu significador e o significador da coisa desejada.
Onde está minha bolsa?
Quem faz a pergunta é sempre o Ascendente e o seu regente. Eu sou Mercúrio em peixes na casa 6. A bolsa é uma posse, um bem material móvel, e todos os nossos bens, riquezas e dinheiro são representados pela casa 2. O regente da casa 2 é Vênus exaltada em Peixes, a dignidade essencial me indica que a bolsa está bem, não foi perdida nem danificada, pelo contrário, está muito próxima do meu significador, embora eu não consiga vê-la (está bem nas minhas costas).
Onde ela está? Na casa 6, casa dos escravos, do trabalho pesado e das doenças. Dentro de uma casa, pode representar lugares como lavanderia e área de serviço, os trabalhos domésticos pesados em geral. Também está em Peixes, signo de água, o que remete à fertilidade, lugares confortáveis ou úmidos, e ao lado de Mercúrio, planeta tradicionalmente associado aos livros e aos escritos.
Juntar todas essas informações não é fácil a princípio, os testemunhos podem ser difíceis de decifrar. Procurei no cesto de roupas sujas, no meio das cobertas e no escritório com os livros. Onde estava a bolsa afinal? Ao lado da estante de livros (Mercúrio), embaixo de uma coberta quentinha, confortável (Peixes) e suja, que estava separada para ser lavada (casa 6).
A interpretação do mapa deve ser adaptada ao contexto da pergunta. Se no mesmo segundo alguém perguntasse ao mesmo céu “ela me ama?” o mapa seria idêntico, mas a resposta completamente diferente.
Vejamos um exemplo de William Lilly:
A questão aqui é quem venceria uma batalha, Sir William Waller ou Sir Ralph Hopton. Quem fez a pergunta tem um interesse particular na resolução da batalha e, portanto, se identifica com um dos dois comandantes, no caso, Sir William. Aquele com quem o querente se identifica é o “nós” da questão e recebe a casa 1. O inimigo declarado, aquele que iremos enfrentar, é a casa imediatamente oposta, ou seja, a casa 7.
Observemos então a condição dos regentes das duas casas:
A casa 1 abre em Câncer, seu regente é a Lua que está domiciliada em Touro, sitiada por dois benéficos. Dificilmente conseguiria estar melhor. A casa 7 abre em Capricórnio, então devemos olhar para Saturno: ele se encontra em Áries, signo de sua queda e combusto, está apagado pelo Sol. Se observarmos o mapa com mais atenção, perceberemos que o Sol é o regente da casa 2, ou seja, os recursos materiais do querente, como estamos falando de uma batalha podemos associá-la à munição. Acrescentando essa informação à análise podemos concluir que Saturno está sendo destruído pelas armas do inimigo. Apenas com esses testemunhos já não temos dúvida que o vencedor da batalha será o lado do querente, Sir William Waller.
A análise do mapa de Horária é extremamente simples, não precisamos envolver todos os elementos do mapa, não precisamos atribuir significado a todos os planetas, quanto mais simples melhor. A Horária nos fornece uma cena como uma peça de teatro, os planetas são os atores em palco e o papel que estão desempenhando será determinado pelas casas e pelo contexto de cada pergunta.
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