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O "JOKER" NÃO TEM GRAÇA ALGUMA


Por João Acuio

Este texto foi escrito em 2019 e publicado no facebook da Saturnália quando desenvolvi textos sobre astrologia e cinema, o cinema céu. Boa leitura!




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“Joker”, filme de Todd Phillips com Joaquin Phoenix no papel principal, mira sua narrativa na construção da personagem, isto é, como o palhaço Arthur Fleck, torna-se o Joker (Coringa), um brutal assassino e, futuramente, o arqui-inimigo número 1 do Batman.


Se você ainda não viu o filme, saiba que este texto contém spoilers, muitos spoilers, muitos estraga-prazeres. E saber do filme sem ter visto o filme, realmente não tem graça alguma. E eu contarei, nas linhas abaixo, praticamente toda a narrativa.

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Joker teve sua estreia mundial no Festival de Veneza, no último dia 31 de agosto/2019, 19h15, sob a Lunação de Virgem. Mas, para nossa sessão do Cinema Céu de hoje, vou exibir o mapa do dia 04 de outubro/2019, 19h06, Curitiba – foi quando assisti ao filme que consagra Joaquin Phoenix no papel do Coringa.

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No momento do início do filme, com Vênus no Poente, o protagonista prepara sua maquiagem diante do espelho, Áries é o signo que Ascende. Áries a 23 do Áries, grau que está nos termos de Marte.

Marte, regente do Ascendente, encontra-se a zero de Libra, nos termos de Saturno, planeta que rege os palhaços tristes, e isso é uma redundância.

O regente do Ascendente é o protagonista da história – e também de quem assiste o filme. Afinal, se a história conta a construção da personagem, quem assiste também está diante de um espelho. Uma das funções do cinema é essa: esquecer por um segundo quem se é e, por algumas horas, ser outra pessoa.

Marte acabara de ingressar o signo da Vênus, Libra.

Se fixarmos o grau do Ascendente, isso quer dizer que Marte saíra de Virgem, da sua condição de júbilo, Casa 6, para chegar à Libra, signo que o exila.

O protagonista sente-se exilado. Marte em Exílio, com E maiúsculo.

No entanto, ao sair de Virgem para Libra, do sexto signo ao sétimo signo a partir do Ascendente, Marte torna-se angular.

Os ângulos de uma carta são a 1, a 10, a 7 e a 4 – são os ângulos do Mundo. E a 7 é casa do Inimigo Declarado.

Marte exilado e angular é o Arthur Fleck, esse é o nome daquele que se tornará, no transcorrer da história, Joker, o palhaço que pretende matar de tanto rir.

Marte em Libra – Arthur – é disposto por Vênus que se encontra em domicílio, Vênus em Libra. Vênus conjunto a uma estrela fixa chamada Arcturo (Arthur) e outra chamada Spica.

Vênus em mapa noturno é a significadora essencial da mãe. Arthur é quem cuida da sua mãe enferma.

Todo planeta exilado inveja quem o anima, o planeta dispositor.

Marte exilado em Libra inveja a graça da Vênus.

Penny, a mãe, chama Arthur de Happy.

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Vênus está conjunta a Spica, uma estrela santa, também o outro nome de Erígone, e a Arcturo, a do destino do bode expiatório, o outro nome de Icário, ambas estrelas, a 24 de Libra.

Marte além de estar nos termos de Saturno, encontra-se no signo que exalta Saturno, aquele que inventou todas as máscaras, sobretudo as sociais.

Saturno é significador essencial do pai em mapas noturnos. E significador acidental da Casa 10, a da mãe. Pai essencial e Mãe acidental. Como os significadores se igualam, é a mãe que faz o papel de Pai e Mãe.

Saturno encontra-se domiciliado, conjunto ao Nodo Sul (Cauda-do-Dragão), o que pesa ainda mais a mão da realidade.

Então, Libra, onde está Marte, quer dizer, onde está Arthur, exalta Saturno, sua mãe-pai.

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Agora vejamos os aspectos – diálogos – que Marte, Arthur, faz com outros personagens.

Marte faz quadratura com a Lua. E a Lua também encontra-se exilada: Lua em Capricórnio.

A Lua em Capricórnio é daqueles que passam toda espécie de humilhação. O frio na alma e a melancolia no espírito são permanentes.

“Nunca tive um momento de felicidade”, diz Happy.

Importante entender a Lua como aquela que dará movimento ao drama, atando e desatando a personagem a determinados assuntos da Alma.

Perceba que a Lua vê o exilado Marte e o Sol em queda. A Lua, a narrativa do filme, só vê planetas que ora se exilam ora caem. Arthur, ele mesmo, tem inúmeras quedas durante toda a narrativa. Temos até a impressão que Joaquin Phoenix fica mais no chão do que de pé.

A Lua faz aspecto partil a Mercúrio, é a mãe preocupada se as cartas que escreve chegará ao seu destinatário, a Thomas Wayne. A Lua olha para o regente da 3, a dos irmãos, e o da 6, a das doenças.

Marte, Arthur, então, vê e é visto pela Lua, e a gente é o que mira, a gente é o que nos vê.

Arthur vê a Fortuna que se encontra em Aquário. É para Fortuna que Arthur mira.

Em Dramaturgia Celeste, a Fortuna guarda o bem precioso, aquilo a qual o herói precisa conquistar para alcançar a própria identidade.

Happy quer ser visto, percebido e reconhecido como comediante, é o que deseja. Mas sua mãe lhe pergunta:

“Para ser comediante não é preciso ser engraçado?”

A Fortuna é disposta por Saturno, a mãe.

Arthur mira a Fortuna e quanto a aspectos não há mais nada.

Planetas com poucos aspectos está alienado de outras experiências de vida. E o processo de humanização só é possível se fizermos contato, isto é, aspecto.

“Você não me escuta”, diz o protagonista à assistente social. É verdade, no mapa apenas a Lua vê Marte. A assistente social é representada por Mercúrio, regente da 6.

A Fortuna, a que Arthur mira, está em Aquário e Saturno, regente do Aguadeiro, encontra-se na sua 12, em Capricórnio. O regente da Fortuna do Arthur o leva para casa 12, a da Loucura, essa espécie de cárcere sem grades. E loucura não tem graça.

Capricórnio, signo que abre a 12 da Fortuna, exalta Marte, o protagonista. Neste contexto, a Loucura exalta Arthur, Marte, que exalta Saturno, a Mãe – a isso chamamos de mútua recepção.

Há uma passagem no filme que ilustra a ideia que a Fortuna representa aquilo que o protagonista precisa alcançar para seguir adiante em sua narrativa.

Depois de ter apanhado por arruaceiros, um colega de trabalho, demonstrando aparente zelo e preocupação, mas também armando uma cilada, oferece a Arthur uma arma para que ele possa se defender. Arthur esboça uma negativa à oferta, mas dizer não, não é o seu forte – Marte está na Libra. Arthur acaba aceitando a arma.

Mais tarde, ao ser importunado no Metrô por três homens por não conter sua risada, acaba, por legítima defesa, matando-os. (Joaquin Phoenix, para compor sua personagem, disse que pesquisou testemunhos daqueles que possuem afeto pseudobular ou labilidade emocional, um sintoma que produz risada involuntária.) Arthur, ao reagir ao espancamento que sofria, levanta-se e mata o terceiro que fugira. Quando em casa, percebe-se bem, o que o faz abandonar os sete remédios de regulação de humor que tomava. 7 é o número de Saturno.

Quem lhe dá a arma é alguém que se faz de seu amigo. A Fortuna está na 11, a dos amigos. A 11 também é chamada de A Casa das Aquisições.

E como a Fortuna é o Ascendente Lunar, Arthur adquira o passaporte para o seu Asylo Arkham pessoal, à 12 da Fortuna, a 10 do mapa pessoal. A Loucura elevada à 10, isto é, a Loucura como Feito Público.

Após a morte dos 3 no metrô, a cidade, aos poucos, é mergulhada num caos e no mito do Palhaço Vingador. O movimento toma vultos de movimento político. Mas tarde, o Joker diz que não se trata de política.

Vale acompanhar a narrativa observando o movimento da Lua.

A Lua sextil a Mercúrio, é a mãe pedindo que levasse cartas aos correios. Mensagens a Thomas Wayne, seu antigo chefe, para qual trabalhou por mais de 30 anos. Numa das cartas, Arthur descobre que o seu pai é Thomas Wayne. O pai = Lua regente da 4.

E se Wayne é o seu pai, Bruce é seu irmão.

Mais tarde, enfrenta Wayne o qual diz que sua mãe sofre de doença mental e que ele não é seu filho, e sim teria sido adotado. Arthur investiga e descobre que tudo indica ser filho adotivo, embora a dúvida permaneça no ar: Marte está na Libra, no signo das dúvidas. Mas o fato, é que ganhara e perdera mais uma vez o pai e o irmão que nunca teve.

O irmão é Mercúrio regendo a 3 e que está oculto na 8.

Mercúrio, a partir da Fortuna, vai pra 10 - é o Batman, o irmão mais novo (Mercúrio), mesmo que a filiação seja mais um delírio da mãe.

E para finalizar a tragédia, e a construção da personagem, o comediante da TV que tanto admirava, exibe em seu programa um vídeo pirata do seu stand up, humilhando-o por não ter visto uma pessoa tão sem graça. No entanto, quando exibe o vídeo em horário nobre, chama o até então desconhecido palhaço de Joker. Pronto! Happy ganhara o nome do pai.

Enquanto isso, a cidade assiste um levante de palhaços que promovem saques a supermercados, fogo pelas ruas, roubos e caos. No mesmo dia, Joker vai ao programa de TV do seu comediante predileto, já que o seu vídeo tornara-se uma sensação. Humilhação televisiva dá ibope.

Ao direcionar-se à TV, envolve-se no levante popular. Para se esconder, sobre a máscara pintada, o Joker veste outra máscara. Máscara sobre máscara! Mas minutos depois, abandona a máscara de plástico para ficar com a sua verdadeira face. A máscara do Coringa, e seu sorriso permanente pintado, já que a felicidade também é uma máscara social. Joker toma o corpo e a consciência de Arthur, substituindo-o. O Ator, no sentido grego, fora constituído.

O Ator, para vestir a máscara de uma personagem, antes precisa ultrapassar o métron, o interdito social, é o que aconteceu na linha do metrô.

E, agora com nome e face construída, isto é, inteiramente tomado pela identidade do Coringa, comete mais um ato de violência brutal em cadeia nacional, o que faz a cidade entrar num caos social. E aí chegamos na Casa 4, a dos fechos e retorno à origem.

No Fundo-do-Céu do mapa há a estrela do Cão Menor.

Um dos mitos dessa Estrela conta a história de Icário, pai de Erígone, que ganhara de Dioniso o segredo do vinho. Icário serve vinho aos habitantes de sua cidade. Esses, totalmente embriagados, num ímpeto de loucura, o acusa de ter envenenado a bebida. Icário é morto a pauladas.

A estrela que representa Icário é Arcturus, a que está conjunta a Vênus, a 24 de Libra. E angular neste mapa. A estrela que Arthur Marte inveja e pela qual é disposto.

O corpo de Icário/Arcturus é descoberto por Mera, o Cão Menor, o qual arrasta Erígone até o local. Erígone, tomada pela dor, enforca-se e pragueja que todas as mulheres façam o mesmo. Erígone é Spica angular. E aí a cidade entra num caos, assim como Gotham City.

Icário é um mito sobre bodes expiatórios sob o signo de Dioniso. Esse mito o mundo encena todo dia. No bullying, por exemplo. Basta pegar alguém para Cristo.

Happy ao reagir no metrô recusa o lugar de bode expiatório. No lugar de apedrejar todos os Arcturus do mundo, os que ousam servir o vinho, os que ousam servir Dioniso e, na nossa história, a fazer o seu próximo não só rir mas gargalhar, escolhe apedrejar àqueles que apedrejam e chutam os Arcturus do mundo como se cães doentes fossem. Essa posição está alinhada à atitude de Erígone, o que encena o segunto ato do mito.

Joker é Arcturus e Erígone (Spica) de si mesmo, ao mesmo tempo. Spica e Arcturus são estrelas fixas que estão alinhados na mesma longitude, a 24 da Libra, como foi dito antes.

Mas o fim ainda não chegou.

A casa 4 é o fim das histórias em qualquer mapa. Neste, Júpiter, regente da casa 4, encontra-se na 9, olhando o Ascendente. Na cena onde todos saqueiam e enforcam uns aos outros, Coringa é proclamado o Mentor de um novo tempo. A Casa 9 é a Casa dos Mentores. Júpiter está na 11 da Fortuna. Júpiter jubilado. O Sol também jubila-se a partir da Fortuna.

Júpiter rege a 4 mas também a 12 local. O Mentor vem da Casa 12, a do Asylo Arkham do Mundo.

Vênus-Erígone-Arcturus, também vem da 12, Casa que é aberta por Peixes, signo que exalta Vênus.

Em suma, o Joker torna-se o Mentor, O Profeta Insano, de um novo tempo.

Coringa é uma figura dionisíaca.

Uma personagem próxima a Baco, outro nome de Saturno, e daquele que tinha uma cicatriz no rosto que encobria com um volumoso bigode e só acreditava num Deus que soubesse dançar. Phoenix introduz isso ao repertório de gestos do Joker, a dança. E parafraseando Nietzsche, Joker não pode imaginar um Palhaço que não saiba dançar como as bacantes. E muito menos pensar num Palhaço que não saiba gargalhar.

À propósito, a Parte-de-Saturno, também conhecida como a Parte-do-Peso, encontra-se na 1, pesando Nêmesis na magreza do corpo do ator-personagem. Joker é magro, mas pesa chumbo. É da ambição saturnina, flutuar – é aqui que a dança de Joker se encontra. Dançar para não retorcer o corpo.

Agora, espero que Joker nos sirva como alerta que estamos fracassando francamente enquanto sociedade. Joker não tem graça alguma já que trata da Loucura e da ultrapassagem do métron civilizatório, o de não matar o próximo. Sua brutal violência é sentida como realmente violento por ser tratar de uma narrativa verossimilhante, profundamente próximo à realidade social em que nos encontramos. Em outras palavras, poderia acontecer a qualquer um. O que levanta a incômoda e necessária pergunta:

Se víssemos e escutássemos com atenção quem nunca é percebido, aqueles que são humilhados e possuem sorte pessoal e social devastadora, evitaríamos a construção, o percurso anímico que Happy fez para chegar ao Joker?

O Joker não tem graça alguma.

O Happy até que tinha.

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