Basel, Suíça, dia 19 de abril de 1943 às 16h20 (vide o mapa no pé deste texto).
No laboratório da empresa farmacêutica Sandoz, o químico Albert Hofmann voluntariamente ingeriu 250 microgramas de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, o famoso LSD-25, talvez a única droga com dia, hora e local de nascimento conhecidos.
Os astrólogos dizem que os eventos acontecem “assim na terra como no céu”, por isso, quando uma enfermidade acometia um sujeito, os médicos da antiguidade até bem pouco tempo atrás buscavam no céu a resposta para a sua cura. Também por esse motivo, quando nasce uma vida, olhamos a nascente, o lugar no horizonte onde o Sol arrebenta todos os dias. Ali temos o primeiro testemunho da materialização daquela vida no mundo, seu corpo e a forma como se expressa. No instante em que Hofmann ingeriu o LSD-25, no horizonte de Basel surgia o signo de Virgem em seus 25 graus e 53 minutos.
Virgem é rápido, leve, preciso e discreto. Domicílio noturno de Mercúrio, o mensageiro, aquele que tem asas nos pés. Assim é a substância: veloz, inodora, incolor, sem sabor e extremamente leve. Mercúrio, o significador da sua matéria, se encontrava no signo de Touro naquele dia. A aquarela taurina pintou a substância com cores tão venusianas que mesmo seu sabor sendo quase imperceptível, o LSD recebeu entre nós o carinhoso apelido de “Doce”. Doce é delícia, sabor de Vênus que rege Touro, signo que veste Mercúrio, planeta significador da matéria do LSD.
– Doces ou travessuras?
– Os dois!
Mercúrio adora enganar as aparências, disfarçar as evidências, mas o pequeno é portador das chaves de todas as portas. Com o LSD estavam as chaves que abririam à Hofmann as “portas da percepção”. Um universo gigantesco nunca antes visitado. Viajar e viajar: as duas melhores coisas da vida. Pelo menos essa é a opinião de Júpiter, que no céu de Basel não só estava exaltado como também jubilado às 16h20 daquele dia.
No início, Hofmann tentava descrever virginianamente suas experiências psíquicas e corpóreas em um caderno de anotações. Mas cerca de uma hora depois de ingerir o LSD, as portas da sua percepção estavam visivelmente abertas. Após registrar vertigem, ansiedade, distorções visuais, paralisia e vontade de rir, não pôde mais dar continuidade às notas em seu diário de pesquisa. A extraordinária sensação experienciada por Hofmann a partir daquele momento já não era digna de nota, permanecia no âmbito do indizível, incomunicável. Mercúrio estava em Touro e na casa 9 daquele mapa. A substância habita o âmbito dos estudos catedráticos, mas para conhecê-la, papo de Mercúrio, era necessário sentir, coisa de Touro. Com dificuldade, o químico pediu ajuda de uma assistente do laboratório para que o acompanhasse até em casa. Como naquele tempo de guerra nenhum automóvel se encontrava disponível, foram de bicicleta.
No céu, exatamente como na imagem acima, criada décadas depois, poderiam ser vistos tanto o Sol quanto a Lua. O Sol, nos últimos graus de Áries se dirigia ao poente e, mesmo antes que pudesse ali se pôr, a Lua, quase cheia, ascendia no lado oposto do céu, em Libra, portanto. Na terra, Hofmann dirigia seu corpo sobre duas rodas, atravessando a cidade do laboratório à sua casa, de norte a sul. O Sol lhe iluminava o lado direito, e a Lua o lado esquerdo. Seu corpo seguia como leve pluma muito leve, leve pousa. Sombra, silêncio ou espuma. Nuvem azul. Que arrefece.
Pelos caminhos das sinapses neurológicas do químico, o vento e a brisa do entardecer, ao invés de esfriar, esquentavam o fogo disparado pela faísca e alimentado pelo combustível do psicoativo mais poderoso do mundo. Faísca que na astrologia é o Sol em Áries daquele céu. O combustível era da Lua, que se por um lado estava em Libra, por outro transitava em Via Combusta, alimentando a chama que o Sol havia ascendido. Por fora, Hofmann era simples e suave coisa, a face venusiana de Libra, mas por dentro e por trígono com o Senhor do Tempo, a face saturnina de Libra completava o verso “suave coisa nenhuma”.
A breve incursão de 3 quilômetros flamejantes era, no entanto, a maior viagem do século XX. Isso porque, apesar de discreta e minúscula, a substância abria a maior de todas as portas. Sim. Porque o mundo de fora é finito, mas o de dentro é infinito e disso os psiconautas sabem bem. Psiconauta significa “marinheiro da mente” e marinheiro é o nome que damos para Marte em Peixes, o mesmo do LSD. Se quisermos saber como age uma coisa, situação ou indivíduo, perguntamos a Marte. A ação do psicoativo transitava no primeiro grau do signo que oferece domicílio noturno a Júpiter. Marte em Peixes é aquele que dedica toda sua força para satisfazer o desejo pelo infinito, conhecer as imensas águas do oceano, responder ao canto da sereia Vênus que em Peixes se exalta. Naquele dia Marte em Peixes olhava Júpiter em Câncer como um marinheiro olha a chegada de uma grande tempestade. A viagem para a qual Mercúrio-LSD nos transporta é do tipo quente e úmida, sanguínea. Calcule as lambdas das ondas regidas pelo Senhor da Tempestade exaltado e jubilado. Haja embarcação, corajosos e deleitosos psiconautas!
É reconhecido em Peixes o amplo espectro de visão. Olhar por aspectos nunca antes vistos, enxergar com olhos nos lados, costas e até mesmo de fora do nosso próprio corpo. Quem nunca em sonho, excitação ou torpor?! O campo de visão de Hofmann “ondulava e se distorcia como se visto num espelho torto”. Em casa, até os objetos mais familiares assumiam formas grotescas, ameaçadoras, em contínuo movimento, “animadas, como se dirigidas por uma inquietude interna”.
O intenso e febril movimento interno que Hofmann sentia não encontrava vazão no mundo exterior. Ele não conseguia se mexer e muito menos comunicar o que lhe ocorria. Qualquer movimento ou diálogo exigia um esforço de quem arrasta uma tonelada. “Tive que lutar para falar de forma inteligível”. Compreensível, Mercúrio estava em Touro. Por isso mesmo quando conseguiu falar pediu à vizinha um copo de leite de vaca, conhecido antídoto para diversas intoxicações. Se Mercúrio estava em Touro, Vênus estava em Gêmeos. Ela sentia palavras e Ele compreendia sensações. Com LSD é assim. As cores têm som, o som tem cheiro e o toque tem cor. Quando isso ocorre à Beethoven, chamamos sinestesia. Quando na astrologia, nomeamos “mútua recepção”. É quando um fala a língua do outro e vice versa.
Hofmann contemplava cores sem precedentes, jogos de formas que surgiam como um caleidoscópio “alternando, variando, abrindo e se fechando em círculos e espirais, explodindo em fontes coloridas, reorganizando e se cruzando em fluxos constantes”. Ativando um especifico receptor de serotonina, o LSD provoca uma reorganização nas informações neurais. Mensagens que só se comunicam em um sentido, passam a fazer conexões antes inimagináveis. A percepção acústica se transforma em percepção ótica e o som gera “uma vívida imagem variável, com sua própria consistência, forma e cor”. A sensação resultante só poderia ser prazerosa: Mercúrio, Marte e a Lua estavam em signos regidos e exaltados por Vênus. Uma Vênus em Gêmeos, uma criança (ou duas) que se diverte num parque, rola na lama, faz trocadilhos, come doces, dá gargalhadas.
Imaginemos um cérebro-parque aonde brincam duas meninas gêmeas em uma gangorra. A Tico e a Teco [Vênus em Gêmeos]. Um garoto travesso [Mercúrio-LSD] mexe discretamente na base de funcionamento da gangorra. Nisso, um marinheiro [Marte em Peixes] que por ali passa, temendo o tombo das meninas, rapidamente escora sua luneta na base da gangorra. A luneta na verdade é um caleidoscópio porque é de ver por várias formas igual Peixes. No impulso seguinte a Tico vai parar na montanha russa e de lá avista Teco no carrossel.
É assim que o LSD age no cérebro: faz surgir conexões completamente novas. Da gangorra da escola a todo um parque de diversões. A experiência é tão intensa que os estudiosos da época acreditavam que a substância era mesmo capaz de “restartar” o cérebro humano. Não por acaso ele foi e ainda é cotado como um poderoso auxiliar no tratamento do transtorno obsessivo compulsivo (TOC). É que a luneta caleidoscópica do LSD ajuda o cérebro a fazer conexões que rompam com os caminhos viciados que geram a obsessão e a compulsão. Isso é lição de Peixes pra Virgem.
Restartar é de alguma forma morrer e a morte na cartografia astrológica é encontrada na casa 8. No mapa do LSD, o Sol, a pulsão de vida, se encontra justamente na casa da morte. Um Sol exaltado, uma faísca nos últimos graus de Áries mostra que há ali uma urgência de morte. A força da aurora primaveril que, pra renovar a vitalidade, estrangula a escuridão com seus raios fumegantes. É morrendo que se vive para a vida eterna, diz a oração. Hofmann, depois de algumas horas de experiência fantástica e tenebrosa, caiu em sono profundo, “para despertar na manhã seguinte revigorado”, sentindo fluir “uma sensação de bem-estar e vida renovada”. Em suas memórias, o químico relata uma sede de vida: “o mundo estava como que recriado. Todos meus sentidos vibravam em um estado da mais alta sensibilidade que persistiu por todo o dia”. Dali até o episódio de sua proibição, o LSD ocupou seu devido espaço junto a casa 9, com usos na farmacologia, neurologia e especialmente na psiquiatria. Ganhou espaço de destaque também em espaços mais ordinários, mas sempre com uma aura mística de aprendizado, maestria e expansão da consciência.
Agradecimentos especiais ao querido Sandro Rodrigues. Os trechos são retirados do livro “HOFMANN, Albert. LSD – My Problem Child. McGraw-Hill Book Company, 1980.” e traduzidas em seu blog http://ritmoesubjetividade.blogspot.com/2014/04/o-dia-da-bicicleta-e-psicodelia_19.html
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