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Foto do escritorEmanuel Santos

Um tarot para Sandman - texto 1

Atualizado: 18 de ago. de 2022

TEXTO UM






TRÊS CARTAS PARA (UM) DESTINO


Uma das primeiras perguntas que faço, quando alguém diz ser fã de Sandman, é qual é o seu Perpétuo favorito; isso me diz muito sobre como a pessoa leu a obra.


(Falando nisso, querido leitor, qual é o seu Perpétuo favorito? Responda nos comentários, por favor)


Em geral percebo, em ordem de preferência, a Morte (nossa próxima conversa), o Sonho, Delirium, mais raramente Desejo e Destruição... Mas nunca vi ninguém se propor a ter por favoritos Destino e Desespero – esta última, em especial. Mas falaremos sobre cada um deles em momento oportuno. Não na ordem de preferência, mas na ordem de chegada à esse universo.


Hoje é o dia do Destino.


Pegue suas cartas. Vamos embaralhar.

Ah, e é sempre bom lembrar: pode haver spoilers nesse texto. Ou não.

Leia por sua conta e destino.


“Em cada começo, vejo o fim, à primeira palavra, ouço o eco da última. Eu não desejo, não sonho nem destruo, tampouco me desespero nem me encanto.

Apenas sei.”


Destino | Crônica de Mortes Anunciadas


Destino, o Guardião das Sombras, é o mais velho dos Perpétuos. Isso fica emblematizado em sua aparição clássica (1): Um homem cego, em trajes monásticos, acorrentado a um livro. Neste livro, tudo – absolutamente tudo – o que ocorreu, ocorre e ocorrerá está escrito, e Destino consulta seu livro constantemente. O livro, e Destino, antecedem todos os Perpétuos. O Livro é seu emblema. É pelo Livro que ele pode ser chamado. Apenas ele pode ler o livro. O livro é pesado, você não seria capaz de erguê-lo – mas, raramente, ele permite que alguém leia uma página.


Por vezes, Destino se surpreende – momentaneamente, algo de mise en scéne – e depois volta ao seu estado costumeiro, de inabalável indiferença. Por exemplo, quando ele encontra Timothy Hunter no fim do mundo: conferindo melhor o livro, há uma nota de rodapé que havia passado desapercebida.


Viro a primeira carta: Eremita, o Arcano IX. Outrora portando uma ampulheta, mais frequentemente uma lâmpada (e aqui, um livro), é tradicionalmente Le Capucin – o Encapuzado. O Monge. Em seu manto, inexpugnável, se esconde o mistério, assim como dos perigos para além dele.

Esta é a carta por excelência da Sabedoria: a combinação alquímica de conhecimento com experiência.


“Por que temer o desconhecido mais que o conhecido? No primeiro caso, existe esperança”.

Destino | Crônica de Mortes Anunciadas


O reino de Destino é um Jardim, com estátuas pequenas, médias e gigantes. O Jardim é um Labirinto. As trilhas se dividem, se ramificam e se recombinam. Entretanto, a despeito de sua ordenação aparentemente caótica, todos os caminhos – especialmente aqueles trilhados nas sombras – levam a Ele. Fatal e inexoravelmente levam.


Viro a segunda carta. A Roda da Fortuna. O Arcano X. Roda e Labirinto se combinam como em Chartres. As formas presentes na Roda são equivalentes às estátuas do Jardim do Destino, movendo-se rápido demais para que percebamos, lentas demais para que nos importemos.


A Roda da Fortuna é a carta do Inexorável Destino, tão inexorável quanto ele estar lendo conosco minha descrição do que ele faz.


“Parece-me bom”, ele diz. E mais nada.


Viro a terceira carta. E a sabedoria se une à transitoriedade, dando um átimo do que é estar para além das esperanças e temores.


Eis o Julgamento.


Mais que um julgamento final, escatológico, o que Destino faz é trazer luz à consciência de quem o encontra – já que ele nada procura, tudo está ao alcance de sua mão.


Encontrar-se com o Destino é encontrar-se com todos os caminhos trilhados – algo como aquela experiência de ver a vida passando diante dos seus olhos. Sabe como é? Não?


Então você ainda não se encontrou com seu Destino.


Se me permite outra metáfora, é como o brilho nos olhos que cintila quando descobrimos o motivo pelo qual nascemos e o que devemos fazer daqui pra frente. É um entendimento de que há um propósito para tudo, inclusive, para o que acontece agora mesmo, você está lendo esse texto que eu escrevi tempos atrás. Passado toca o presente, e da nossa combinação nascerá um novo futuro. Exclusivamente seu.

Percebe? Faça um bom Julgamento. Se você chegou até aqui, você não morrerá hoje.


E eis que temos três cartas, retiradas do livro, que falam um pouco sobre Destino; o que cabe pensar é:


O meu, que escrevo, o seu, que lê, ou algum destino que em algum momento cruzará essas linhas?

Qual deles?


“Mas todo livro, mesmo o meu, tem mais de uma interpretação”.

Destino | Crônica de Mortes Anunciadas


Até nosso próximo encontro. Falaremos sobre Ela, a Inominável.


Emanuel J Santos


(1) Os Perpétuos não tem forma definida nem definitiva, apresentando-se conforme o entendimento de cada um de sua natureza. Em outras palavras, cada um tem o Destino que merece e é capaz de ver.

Entretanto, a representação que temos é aquela proposta por Gaiman e ilustrada em Sandman. É um primeiro passo, mas não o último.


REFERÊNCIAS


Destino: Crônica de Mortes Anunciadas. 164 p.

“Destino” in Sandman: Noites Sem Fim. P. 144-154.

Os Livros da Magia. 200 p.


"(este texto foi publicado originalmente aqui: https://www.facebook.com/Saturnalia/photos/a.10150369632207293/10155368745392293/; a imagem é de autoria do Emanuel; o Corvo da Saturnália foi criado pelo Gabriel Breviglieri)"

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